Categoria: Recortes

Surpresa

Tem por título “Postais de Viagem”, começou como um ensaio sobre vudu intitulado “Pogo in Togo”, mas, com o tempo (15 anos…), assumiu a forma de postais ilustrados complementados com um texto denso mas depurado – de pormenores desnecessários e também de juízos de valor ou preconceitos – sobre a religiosidade africana.
Algures na fronteira entre o caderno de viagem, o texto ilustrado e a banda desenhada, é fruto da experiência vivida no Togo pela sua autora (e também editora), Teresa C. Pestana, com larga experiência nos quadradinhos, desenvolvida no seu fanzine “Gambuzine”, que utiliza o seu traço característico, baseado em fortes contrastes de preto e branco, quase sempre esquemático, algumas vezes quase realista, para nos guiar – com base numa pretensa busca (iniciática…) de alguém desaparecido – pelos trilhos misteriosos da religião, da superstição e da crendice africanas, das suas cerimónias e rituais, dos seus múltiplos deuses e da forma como eles influenciam o dia a dia (tornando residual a influência católica…).
E num tempo em que as potencialidades das novas tecnologias informáticas, aproximaram as edições de autor (ou de pequenos editores) das edições, digamos,”profissionais”, se a dispensa da distribuição tradicional por parte daqueles obriga a atenção redobrada para as encontrar, torna mais agradável a descoberta de surpresas como esta (disponível em www.gambuzine.com).


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F. Cleto e Pina

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Crónicas do quotidiano rural

Armazém Central
1. Marie
2. Serge
Régis Loisel e Jean-Louis Tripp (argumento e desenho)
Edições ASA
14,00 €

Autores completos, normalmente responsáveis por argumento, planificação, desenho a lápis, desenho a tinta e aplicação da cor nas suas obras, embora na BD franco-belga a diversificação de funções seja cada vez mais frequente, Régis Loisel – conhecido em Portugal por “Em Busca do Pássaro do Tempo” (Meribérica/Líber) e por uma versão extremamente pessoal do Peter Pan, de Barrie, (na Bertrand e na Booktree) – e Jean-Louis Tripp, até há pouco inédito entre nós, franceses, a viver em Montreal, no Canadá, partilhando um atelier, descobriram gostos complementares: enquanto Loisel vibra com a a planificação e o traço a lápis, Tripp prefere a passagem a tinta, nascendo, assim, uma improvável colaboração, consubstanciada em dois volumes (o terceiro sai em França no próximo mês) genericamente intitulados “Armazém Central”.
Ambientada no Canadá, num Canadá profundo, que os acolheu, é uma crónica do quotidiano rural de uma pequena aldeia, entre as duas Guerras Mundiais, que tem um estranho começo: a morte de Félix, dono da única loja – o tal armazém central – do lugar, que vai ficar como testemunha (quase) silenciosa, do que se vai passando em Notre-Dame-des-Lacs.
Esta crónica quotidiana onde (aparentemente) nada acontece, mas cheia de vida, de vidas, vai-se fazendo de pequenos nadas desligados, que no seu todo retratam a vivência naquele lugar, naquela época, e que nós, leitores, vamos apanhando aqui e ali enquanto acompanhamos as deambulações dos diversos habitantes pela povoação. Isto porque, se Marie, a viúva de Félix, a eterna estrangeira, tímida mas prestável, de uma enorme coragem, surge com algum destaque – é ela que se emancipa e se torna gerente do armazém, que conduz o seu camião, que acolhe e sonha acordada com Serge – a verdade é que é a comunidade no seu todo que protagoniza a obra. Comunidade inquieta pela morte do único comerciante – indispensável mas pouco estimado -, pela chegada de um novo pároco (um pouco) progressista (demais para o gosto local), pelo pateta do sítio, pelas beatas coscuvilheiras, pelo cego que viu o mundo, pelo herético e utópico Noel e por uns quantos mais, caracterizados e retratados pelos pequenos gestos habituais, que o isolamento transfigura: a troca de receitas, os mexericos e desconfianças, a cooperação para o bem comum, as traquinices das crianças, os ritos iniciáticos que marcam o crescimento – os primeiros amores, o acompanhamento dos homens no trabalho – a matança do porco, as festas tradicionais comunitárias… E, no segundo tomo, pela chegada de um estranho – serge – culto e viajado, para mais cozinheiro, que acrescenta à narrativa uma aura poética, fruto de sonhos vividos, de utopias concretizadas, e que leva pela primeira vez o brilho aos olhos de Marie…
Uma comunidade retratada com ternura mas autenticidade, de forma viva e intensa, pelo traço semi-realista de Loisel e Tripp, generoso nos volumes, expressivo e dinâmico, rico de pormenores, servido pelas cores quentes e afáveis de François Lapierre, traço que se revela no seu todo especialmente nas sequências mudas – mas extremamente eloquentes – onde o mais ínfimo pormenor ganha vida, mostrando-nos o passar do tempo – das estações – a morte de um recém-nascido, a solidão de Marie, as desconfianças, as músicas e danças, de uma forma notável.


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F. Cleto e Pina

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Humor em destaque no XV Salão de BD de Viseu

Certame pode ser o último devido à falta de apoios; Centenário de Hergé e as várias formas do humor aos quadradinhos em destaque esta edição

Abre hoje as suas portas o XV Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu, que até poderá ser o último, devido à não “receptividade por parte das instituições de apoio à cultura”, afirma a organização que há quase 20 aos mantém o evento, queixando-se que “são ridículas as verbas disponíveis” para o concretizar, apesar da passagem a bienal.
No entanto, estas vicissitudes não tiram a vontade de rir à organização – o GICAV – que elegeu o humor como tema aglutinador, tendo repartido por quatro locais distintos as exposições, que estarão patentes até dia 30.
O pólo mais mediático é o dedicado ao Centenário de Hergé, o criador de Tintin, que está patente na Biblioteca Municipal, que acolhe uma mostra de peças de colecção particulares. O Fórum Viseu acolhe uma retrospectiva dos gémeos Santos (inaugurada já no passado dia 15), autores locais, que assinalam assim o seu regresso à banda desenhada, e o Foyer do Auditório Mirita Casimiro tem patente uma retrospectiva de Cartazes.
Nas instalações do IPJ de Viseu está estabelecido o pólo central do salão, com o humor como tema forte, com diversas abordagens feitas aos quadradinhos, da argentina Maitena aos portugueses Artur Correia, José Abrantes, Nuno Saraiva, Álvaro, Sergei e Carlos Rico. Para além destas mostras individuais, há também exposições colectivas: “Humor à Portuguesa”, “Grandes humoristas mundiais”, “Humor desportivo”, “Humor erótico” e o resultado do concurso promovido pelo GICAV, subordinado ao tema “Histórias com vontade de Rir”.
Da programação de hoje consta um colóquio sobre coleccionismo, às 15 horas, na Biblioteca Municipal, o lançamento, às 16h30, no IPJ, de “Portefólio” de José Abrantes (edição Pedranocharco), e da revista Animarte n.º 64, e à noite, a apresentação do livro “Teatro VI”, de Luíz Beira (ambos edição do GICAV) e a entrega dos prémios Animarte BD 2007 a Artur Correia e a Sergei.


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F. Cleto e Pina

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Deleite

Qual a melhor história de Tintin? E de Astérix? Se a resposta já é complicada em séries com duas ou três dezenas de álbuns, imagine-se no caso de Tex, com centenas de histórias ao longo de quase 60 anos. E, não tendo sido muitos os argumentistas, forçosamente muitas delas assemelham-se, raramente fugindo aos estereótipos do western – o que não é, de todo, sinónimo de serem desinteressantes ou mal contadas.
Assim, geralmente, é o desenho que marca a principal diferença e o acaso fez coincidir nas bancas portuguesas duas edições da Mythos com o traço de José Ortiz, de momento um dos melhores desenhadores do ranger. Traço que se distingue pelo dinamismo e expressividade, pelo preto e branco contrastante, pela pormenorização dos cenários selvagens e poeirentos e da figura humana dura e agreste e pela variedade de enquadramentos, com destaque para os grandes planos dos rostos. E se em “Tex #422 – A longa viagem” (primeiro de uma trilogia em que a temática até foge ao convencional, com Tex e Carson envolvidos numa caça ao tesouro) isto já é evidente, a verdade é que é no “Tex Gigante #17 – O grande roubo” – beneficiando do maior formato – que o traço de Ortiz respira mais à vontade, transformando uma típica história de um assalto a um comboio – com uma série de surpresas e coincidências bem urdidas por Nizzi – numa narrativa bem ritmada e que é um deleite para os olhos.


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F. Cleto e Pina

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Banda desenhada ao serviço do fisco

Direcção Geral dos Impostos aposta na educação de jovens e adolescentes para os tornar bons cumpridores fiscais no futuro; BD de José Carlos Fernandes é um dos utensílios para motivar os mais novos; Exposição itinerante, jogo e livro também fazem parte do projecto

Versátil por excelência, a banda desenhada, enquanto linguagem única, com inúmeras potencialidadse, tem sido usada frequentemente como utensílio pedagógico mas, possivelmente, é a primeira vez que é utilizada ao serviço do fisco… embora numa perspectiva futura.
Isto porque a Direcção Geral dos Impostos, através do seu Projecto de Educação Fiscal, lançou o álbum de BD “Os Pesadelos Fiscais de Porfírio Zap”, uma obra original de José Carlos Fernandes, um dos mais categorizados autores portugueses contemporâneos. Nele, JCF, mantém o tom mordaz e de crítica social característicos das suas obras ao mesmo tempo que combina realismo, ficção, sequências oníricas e a carga pedagógica necessária para transmitir a mensagem desejada: cada um deve pagar os seus impostos para que o estado possa prover tudo aquilo que é necessário. Esta não foi a sua primeira experiência pedagógica, pois já havia assinado dois álbuns para o Centro Regional de Alcoologia do Centro – “Um passeio ao outro lado da noite” e “Francisco e o rei de Simesmo” – bem como uma história da Revolução dos Cravos – “A Revolução Interior – À Procura do 25 de Abril” – para o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
Integrado no mesmo projecto está também o lançamento de “Tax bem!”, um misto de “Jogo da Glória” e “Trivial Pursuit”, e de “Era uma vez no Planeta do Respeito por Todos”, um livro profusamente ilustrado para os mais novos, tendo em vista proporcionar “à sociedade em geral e, em particular, aos professores, pais e alunos, informação e instrumentos tendo em vista o seu envolvimento no processo de criação de uma maior consciência fiscal”, com o intuito de que, “particularmente os jovens – os futuros contribuintes – se tornem, ao longo da vida, cidadãos solidários e conscientes das suas obrigações”.
Ainda no âmbito deste projecto, está patente em Coimbra uma exposição itinerante que chegará brevemente ao Porto, estando em estudo, em colaboração com o Ministério da Educação, a inclusão de um módulo sobre Educação Fiscal nos programas escolares das áreas curriculares não disciplinares do 9.º ano e secundário.


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Perdidos

Entre as revistas brasileiras (Marvel, DC Comics, Turma da Mônica), que desde há três meses chegam às bancas portuguesas, há, este mês, uma edição especial: “Lostinho – Perdidinhos nos Quadrinhos”, uma paródia à série televisiva “Lost” (“Perdidos”, na versão da RTP1).
Por isso, encontramos numa ilha (aparentemente) deserta, Mônica, Cebolinha, Magali ou Cascão, assumindo, respectivamente, os papéis de Kate, Jack, Claire ou Charlie, numa bem conseguida amálgama dos dois universos. Por um lado, as personagens de Maurício mantêm as suas características próprias (o horror de Cascão à água, as tentativas de Cebolinha roubar o coelho à Mônica, os choques constantes entre Bugu (Locke) e Bidu), mas, por outro lado, vivem as situações de “Lost” (a gravidez de Magali/Claire, a descoberta da escotilha, o aparecimento dos Outros, os números azarados de Quinzinho/Hurley, etc.).
E, sobre “Lost”, “Lostinho” tem duas vantagens de peso: por um lado, o humor, que surge constantemente, quer aproveitando situações recorrentes nas histórias da Turma, quer satirizando os acontecimentos da série (os flashbacks, o mistério constante, a incongruência de alguns episódios), por outro, a forma divertida, equilibrada e razoável como os Estúdios de Maurício de Sousa resolveram o imbróglio em que se meteram os argumentistas televisivos, com destaque para a identidade dos Outros e para a conclusão da aventura.


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F. Cleto e Pina

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Sinais?

Na sequência da boa recepção dos leitores à revista “Shogun Mag”, já com 9 números, os Humanoïdes Associés acabam de lançar “Shogun Seinen”. Mantendo o princípio da publicação de mangas originais de autores europeus, definindo “manga” não como “BD japonesa” mas “como um género que pode ser criado por qualquer autor, em qualquer país”, a “Shogun Seinen” aposta em temáticas mais adultas, ficando a “Shogun Mag” para um público mais jovem. Por isso, algumas séries transitaram para a nova revista, como “Sanctuaire Reminded”, de Stéphane Betbeder e Ricardo Crosa, um thriller de suspense num submarino, que combina delírios, pesadelos e fantástico, ou “Lolita HR”, de Delphine Rieu e Javier Rodriguez, sobre o mundo da música e a forma como as estrelas são usadas. Entre contos cibernéticos, histórias de espada e feitiçaria, thrillers actuais ou futuristas, das novas propostas destaque para o traço negro e expressivo e a planificação dinâmica de “Alter”, de Michael Nau, Esteban Mathieu e Irons D., um policial ambientado num futuro próximo. Tudo em 272 páginas, formato 15×21 cm, por apenas 3,90 €.
Entretanto, em Espanha, a Planeta DeAgostini vai lançar em breve “B”s Log” (240 pp., 2,95 €), uma revista de periodicidade quinzenal, para publicação, em continuação, de mangas (traduzidas), e também entrevistas com autores e artigos sobre jogos, animé e cultura japonesa.
Sinais de novos tempos…?


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F. Cleto e Pina

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O bom, velho Astérix

Astérix Legionário
Astérix na Córsega
Obélix e Companhia
René Goscinny (argumento) e Albert Uderzo (desenho)
Edições ASA
12,00€

Continuando a reedição dos álbuns de Astérix, integrada na comemoração dos seus 45 anos (em Outubro de 2004), com novas traduções, a ASA acaba de lançar meia dúzia de títulos entre os quais três dos melhores álbuns da série – “Astérix Legionário” (1967), “Astérix na Córsega” (1973) e “Obélix e Companhia” (1976) -, se tal distinção é permitida, sendo os restantes “O Domínio dos Deuses” (1971), “Os Louros de César” (1972) e “O Presente de César” (1974). A nova tradução, com defeitos e qualidades em relação à anterior, e a que se pode apontar como aspectos mais negativos o uso de expressões anacrónicas (“vira o disco e toca o mesmo”) ou de nomes associados a regionalismos… lisboetas (Transtejix), destaca-se pelo facto de todos, com excepção de Astérix, Obélix e Panoramix, terem novos nomes, aportuguesados.
Quanto à reedição em si, tem a vantagem de poder levar muitos a reencontrar o bom, velho Astérix, que tão maltratado tem sido nos álbuns que Uderzo assinou a solo, e outros a redescobri-lo em toda a sua pujança.
Isto porque basta uma leitura superficial pode fazer sorrir (pelo menos…) com as situações recorrentes – a pancada que os gauleses distribuem aos romanos, o hábito de Obélix coleccionar capacetes de legionários, a razia (anti-ecológica…!) que os gauleses provocam nos javalis, os constantes desaires dos piratas ou as desavenças entre o peixeiro Ordemalfabétix e o ferreiro Éautomatix – resolvidas sempre de forma diferente mas sempre hilariante.
Mas é uma leitura mais atenta (e também mais culta…) que permite desfrutar em pleno de uma das melhores séries humorísticas de todos os tempos e não me refiro apenas à banda desenhada. Isto porque René Goscinny, numa demonstração de um sentido de humor ímpar e de uma bagagem cultural invejável, aproveitou-a para fazer crítica social e de costumes, satirizar pessoas, regiões, países e povos, de uma forma que resiste perfeitamente ao passar dos anos, abordando aspectos como a ecologia, a imobiliária, a organização política e militar, o relacionamento inter-pessoal, a própria realidade histórica ou brincando até com as convenções da própria linguagem da BD.
Assim, “Astérix Legionário” é uma sátira brilhante e arrasadora à instituição militar, desmontando e ridicularizando os seus formalismos, burocracias, métodos de treino e tácticas de combate, quando Astérix e Obélix se alistam para libertar um amigo feito voluntário à força em tempo de guerra civil.
Já “Obélix e Companhia” é uma incursão pelo intrigante mundo dos negócios, quase um tratado de economia em menos de meia centena de páginas que exemplificam magistralmente conceitos como oferta e procura, desvalorização da moeda ou falência.
Finalmente, “Astérix na Córsega”, traça um retrato irresistível de um povo (muito) “susceptível”, incapaz de esquecer e perdoar, ciente dos seus valores e tradições e dos seus queijos de cheiro nauseabundo. E este álbum, mais do que qualquer um deste lote, destaca-se por mostrar um Uderzo em plena posse das suas (muitas e inexcedíveis) faculdades gráficas, combinando o tom caricatural da série com o tratamento semi-realista aplicado aos corsos e à pujante representação da sua ilha, e combinando o seu traço suave, vivo e dinâmico com o bom domínio da planificação, do ritmo e do sentido de leitura


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F. Cleto e Pina

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Clássicos da Literatura renascem aos quadradinhos

Obra integral de Agatha Christie começa a ser editada em BD no próximo mês; Editoras francesas apostam em adaptações feitas por autores conhecidos; Shakespera em manga é aposta para o leitores mais jovens; Clássicos portugueses revisitados em BD no Brasil

A obra integral de Agatha Christie vai ser integralmente editada em banda desenhada pela editora britânica Harper Collins. A “Agatha Christie Comic Strip Edition” terá um total de 83 livros que ficarão disponíveis até ao final de 2008, chegando os 12 primeiros, entre os quais os conhecidos “Crime no Expresso do Oriente” ou “Morte no Nilo”, às livrarias no próximo mês. As adaptações estão a cargo do romancista francês François Riviére que, em BD, assinou nomeadamente “O encontro em Seven Oaks”, “O Dossier Harding” e “À Procura de Sir Malcolm” (edição portuguesa da Meribérica/Líber), surgindo no desenho, entre outros, Frank Leclerq, Marc Piskic, Solidor e Laurence Suhner.

Mas este não é caso único no que toca à apetência da BD pela literatura. Em França, por exemplo, a Delcourt criou há poucos meses a colecção “Ex-libris”, dirigida por Jean David Morvan, argumentista de Spirou e Sillage, onde já foram editados em BD “Oliver Twist”, de Dickens, “Frankenstein”, de Mary Shelley, “Os três Mosqueteiros”, de Dumas ou “Robinson Crusoé”, de Daniel Defoe. Como premissas, a colecção apresenta “um profundo respeito pelas obras”, a sua recriação “por autores que pretendam revisitar um dos seus livros de cabeceira” e “adaptações fiéis mas personalizadas”. Longe vão as versões maçudas e maçadoras de tempos idos que, mais do que adaptações em BD eram obras (mal) ilustradas, o que permite, num segundo passo obras como “Cidade de vidro” (Edições ASA), em que Paul Karasik e David Mazzucchelli recriaram graficamente de forma magistral um texto quase hermético de Paul Auster, “Fagin, o judeu” (Gradiva), em que Will Eisner desmonta a visão estereotipada dada dos judeus na versão original de “Oliver Twist”, recontando-o sob o ponto de vista de Fagin, o vilão, ou “Long John Silver” (Glénat/Futuropolis), de Dorison e Lauffray, que, numa variação curiosa, exploram as (prováveis) aventuras do pirata de “A Ilha do Tesouro”, de Stevenson.

Ainda em França, onde a Casterman e a Soleil avançam também neste campo, é incontornável o exemplo de Jacques Tardi, com uma ligação de longa data a ligação aos policiais de Léo Mallet, que lhe permitem desenhar a sua Paris natal por quem nutre uma verdadeira paixão.

Entretanto, do outro lado do oceano, a 9ª arte é igualmente utilizada para fazer a (re)descoberta da literatura. E uma das editoras que nisso aposta é a Marvel, conhecida pelos seus super-heróis, para quem Roy Thomas, um veterano dos comics, adaptou “O último dos moicanos”, de Fenimore Cooper, “A Ilha do tesouro”, de Stevenson e “O Homem da Máscara de Ferro”, entregando os desenhos a Hugo Petrus, Mario Gully e Steve Kurth.

Neste país, e também em Inglaterra, em finais do ano passado, duas editoras, respectivamente a John Wiley and Sons, especializada em livros técnicos, e a Self Made Hero, divulgaram, quase em simultâneo, a aposta em obras de Shakespeare (“Hamlet”, “Romeu e Julieta”, “Macbeth”, etc.) aos quadradinhos, mas em estilo… manga (bd japonesa), tentando ir ao encontro das preferências actuais das camadas jovens e do público feminino.

Em Portugal, esta prática foi corrente entre os anos 30 e 60 do século passado, quando a censura a isso obrigava os autores, podendo-se citar as adaptações que Fernando Bento fez de romances de Júlio Verne, a “Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”, revisitada por José Ruy ou “O Caminho do Oriente”, em que Raúl Correia e E. T. Coelho recontam a viagem de Vasco da Gama vista pelos olhos de um miúdo. Em tempos mais recentes Filipe Abranches e Diniz Conefrey, beberam nas obras de Raúl Brandão e Herberto Hélder (ver caixa). E no ano passado, no Brasil, os clássicos da literatura lusa – Camões e Eça – inspiraram os “quadrinhos” de Lailson Cavalcanti de Holanda (ver caixa) e a Marcatti (ver texto à parte).

[Caixa]

Saber Mais

Arquipélagos
Diniz Conefrey
ÍmanEdições, 2001

A partir de dois textos de Herberto Hélder, (“Os Passos em Volta”, de 1963, e “Photomaton &icom”, de 1979), Diniz Conefrey constrói uma obra cromaticamente diversificada e forte, dando visibilidade à intensa carga poética do original.

O diário de K.
Filipe Abranches
Polvo, 2001

Partindo de “A morte do palhaço”, de Raúl Brandão”, Abranches, numa das suas obras mais conseguidas, brilhante no seu preto e branco esquemático, pejado de imagens invulgarmente fortes, recria graficamente a angústia, o medo e a solidão do protagonista perante a morte.

Lusíadas 2500
Lailson Cavalcanti de Holanda
Companhia Editora Nacional/IBEP (Brasil), 2006

Utilização do texto integral de “Os Lusíadas,” de Luís de Camões, “numa encenação futurista, transposta para um outro meio – a Arte Sequencial – onde a narrativa gráfica complementa a narrativa literária”.

“A Relíquia” de Marcatti

Lançada em Julho no Brasil, “A Relíquia” (Conrad) é exemplo de uma adaptação bem conseguida. O que à partida podia ser posto em causa, dado o tom escatológico das obras anteriores de Marcatti, autor underground brasileiro, nascido em 1962, que fez o que deve ser feito numa adaptação: interiorizou o espírito do romance de Eça e o seu peculiar sentido de humor, na sua crítica exacerbada à Igreja Católica e aos seus fiéis fanáticos, transpondo-os depois para a nova linguagem. A opção de manter “a estrutura da história original” contribui para a consistência do livro, bem como a utilização, nos textos, de “uma mistura de coloquialidade e erudição para facilitar a leitura sem perder o tom clássico da obra”.

Com eles, e apesar do seu traço caricatural, recria em “quadrinhos” o clima tenso e opressivo que Eça deu à sua narrativa, e transmite o estado de prostração e impotência que Raposão, o boémio sobrinho da beata Titi, sente face à rédea curtíssima com que ela o mantém. Paradoxalmente, é o seu traço caricatural, caracterizado por personagens de olhos vivos e grandes narizes e corpos de inusitada mobilidade, o outro trunfo do livro, pois a sua vivacidade e dinamismo contrabalançam o tom mais pausado do texto, marcando o ritmo da obra e expressando à saciedade os diversos estados de espírito, mostrando sentir-se como peixe na água na representação das cenas mais ousadas, divertidas caricaturas que surgem como oásis na vida de Raposão e como aliviadoras da tensão na leitura do livro, bem recebida pela crítica brasileira, e que Marcatti faz questão de apresentar como “a sua Relíquia”.


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DC Comics lança novo selo editorial on-line

ZudaComics.com, servirá para descoberta de autores desconhecidos e lançamento de novos heróis; Editora de Batman e Superman é a primeira grande editora a apostar na publicação on-line

A DC Comics, a editora que detém os direitos de Batman, Superman, Mulher Maravilha e Lanterna Verde, entre outros super-heróis, acaba de anunciar o lançamento, em Outubro, do ZudaComics.com, um novo selo editorial para banda desenhada on-line (webcomics). A exemplo da Vertigo (o selo da DC para quadradinhos de temática adulta), a ZudaComics.com será editorialmente autónoma e o seu lema será “Click here to continue” (clique aqui para continuar”).

Encabeçado por Ron Perazza e Kwanza Johnson e supervisionado por Richard Bruning, terá como objectivo descobrir e divulgar novos talentos e personagens, “sendo um grande palco para uma geração de novos autores que têm demonstrado uma grande criatividade on-line”, anunciou Paul Levitz, presidente e editor da DC, durante a divulgação do projecto.

O site, que tem já disponível uma versão piloto, prevê a participação directa dos visitantes/leitores que poderão comentar as bandas desenhadas propostas e votar nelas, escolhendo a maioria das que serão “publicadas”.

Os autores que pretendam publicar na ZudaComics.com (os termos do contrato-padrão serão divulgados ainda este mês de Agosto), terão que submeter pranchas no formato 4:3, o formato comum de ecrãs e monitores, prevendo a DC Comics disponibilizar on-line mensalmente 10 novas bandas desenhadas. Todos os escolhidos receberão desde logo um valor fixo pela “publicação”, podendo assinar contratos mais vantajosos, tendo em vista a publicação em papel ou até adaptações para jogos ou filmes.

Se o projecto está a despertar bastante interesse nos EUA e não só, com muitos a adivinharem nele uma forma mais directa para chegarem às grandes editoras, no entanto, a questão dos direitos e pagamentos está a levantar algumas dúvidas. Warrem Ellis, um dos principais argumentistas de super-heróis sintetiza bem esta contradição ao considerá-lo “interessante e até inteligente” embora se declare “preocupado com a possibilidade de a DC reter o direito de propriedade intelectual sobre as obras”, tendo Scott McLoud, autor do premiado livro “Understanding Comics”, sobre a linguagem da BD, expressado uma opinião similar.

Entretanto a ZudaComics.com divulgou já uma série de logótipos que ajudarão a identificar os diferentes tipos de BD propostos (humor, romance, ficção-científica, super-heróis, etc.).

Se este não vai ser o primeiro site para publicação de banda desenhada, nem é a primeira vez que uma editora utiliza este meio para divulgar as suas obras – por exemplo, a Marvel, rival da DC, tem para leitura on-line dezenas de números completos do Homem-Aranha, X-Men, Hulk e muitos outros, disponíveis por simples registo, e a Dargaud, utiliza o mesmo sistema para pré-publicação de algumas das suas novidades – é a primeira vez que uma grande editora – a DC Comics apresenta-se como a maior editora de comics em língua inglesa do mundo – aposta tão claramente neste segmento.


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