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Heróis do fumetti perdem Carlo Ambrosini

Desenhou Dylan Dog e Tex e foi o criador de Napoleone e Jan Dix

O desenhador italiano Carlo Ambrosini, conhecido pelo seu trabalho em Dylan Dog, Napoleone ou Jan Dix, faleceu ontem aos 69 anos, na sequência de problemas de saúde que se vinham a agravar.
Natural de Brescia, onde nasceu a 15 de Abril de 1954, descobriu a banda desenhada em criança. Com inclinação para o desenho, seguiu uma formação artística que concluiu com um diploma em pintura na Academia de Belas Artes de Brera, com a ideia de se dedicar a esta arte, usando eventualmente a ilustração como meio de subsistência.
No entanto, era a banda desenhada que esperava por ele e assim, em meados dos anos 70, estreou-se nas páginas de “Dardo”, uma série de temática bélica, trabalhando depois para as editoras Ediperiodici e Editoriale Corno.
Segundo o próprio Ambrosini, no entanto, “a estreia a sério em BD” aconteceu em Janeiro de 1980, quando foi publicado “Pellerossa”, no número 26 de Ken Parker, a primeira de uma dezena de participações neste western de contornos humanistas.
Dono de um traço fino e realista, Ambrosini foi capaz de o adaptar a diversos géneros. Desta forma, nos anos seguintes alternou o western com o relato histórico medieval em “Nico Macchia”, até que em 1987 se estreou na Sergio Bonelli Editore, com “Channel 666”, décimo-quinto tomo de Dylan Dog, um misto de policial e terror em ambiente contemporâneo londrino, cuja equipa criativa passou a integrar.
Para esta personagem, desenhou “O Imenso Adeus” (1995), a sua única obra publicada em Portugal, pela cooperativa editorial A Seita, antecipando a sua visita ao Coimbra BD 2020, que não se realizaria devido à Covid-19, sendo a visita do autor ao nosso país concretizada no ano seguinte, no Festival Internacional de BD de Beja. Escrito por Tiziano Sclavi, “O Imenso Adeus” é uma bela história de amor, triste, melancólica e onírica, em que Dylan reencontra uma paixão da juventude.
Com o passar dos anos, Ambrosini começou também a escrever os argumentos do Detective do Pesadelo, mas em 1997 decidiu entregar-se completamente a uma criação pessoal, “Napoleone”. Graficamente inspirado em Marlon Brando, Napoleone é um investigador que privilegia a reflexão em lugar da acção, num registo de policial negro, influenciado pela pintura e por alguma literatura da Europa Central, e com um toque de fantástico.
O seu segundo grande projecto pessoal seria “Jan Dix”, em 2008, uma dupla homenagem ao pintor abstrato Jackson Pollock e ao actor Jeremy Irons. Consultor de arte no Rijksmuseum de Amesterdão, Dix ocupa-se da aquisição, recuperação e busca de obras de arte.
Da sua bibliografia, onde constam igualmente volumes das colecções “Le Storie” e “Il Confine”, surge como ponto alto o convite para desenhar um “Texone” (Tex Gigante), proposta reservada apenas a grandes nomes da banda desenhada mundial. Foi dessa forma que 2005 assistiu à publicação de “O Preço da Vingança”, um western de contornos tradicionais. A história escrita por Claudio Nizzi começa pela perseguição de um bando de índios rebeldes responsáveis por acções violentas, instrumentalizados por brancos interessados em se apossarem de terrenos que têm ouro, mas em paralelo irá surgir uma história mais humana sobre uma de vingança adiada, que culminará num duelo dramático e de desfecho surpreendente. A história foi trabalhada superiormente por Ambrosini que, assim, comprovou o carácter camaleónico do seu traço e a sua capacidade de representar qualquer tipo de ambiente.


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F. Cleto e Pina

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Festa dos Quadradinhos chega ao fim na Amadora

O 34.º Amadora BD – Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora encerra hoje, no antigo Ski Skate Amadora Park (SSAP).
Em exclusivo ao Jornal de Notícias, Catarina Valente, directora do festival indicou algumas razões para dedicar este domingo à BD, elegendo à cabeça “as exposições de originais, com uma curadoria especializada e uma cenografia que completa a experiência de imergir nas histórias aos quadradinhos”. A isto, acrescenta a “área comercial onde se celebra o melhor da edição portuguesa de banda desenhada” e, como extensão desta, “o contacto próximo com os autores através das sessões de autógrafos e dos vários lançamentos editoriais”, mais de meia centena no evento, boa parte de autoria nacional.
Este ano, o Amadora BD decidiu soprar as velas do aniversário de alguns dos mais populares heróis dos quadradinhos, celebrando os 85 anos do Super-Homem, os 75 do cowboy Tex, os 60 da Mônica “baixinha e golducha” e os 45 do glutão Garfield. Destaque ainda para “Agatha Christie em BD”, a retrospectiva de Miguelanxo Prado e para as mostras monográficas de Bernardo Majer, Filipe Andrade, Jorge Coelho e Derradé.
Nesta edição, segundo Catarina Valente, o SSAP, em relação ao ano transacto, apresenta “melhor organização e uma programação mais abrangente na zona de Gaming, o reforço da área comercial com um hall e um novo sistema de senhas que tem permitido um fluxo mais organizado”. Em termos de programação, destaca “o maior equilíbrio entre os clássicos e as novidades”.
Hoje, último dia, a zona de autógrafos vai acolher, entre outros, Derradé, João Sequeira, Rui Cardoso Martins, Filipe Andrade, Jorge Coelho, Paulo J. Mendes, Bernardo Majer, os espanhóis Prado e Mayte Alvarado, os brasileiros Vitor Cafaggi e Alcimar Frazão, e os norte-americanos Bob Mcleod e Mike Gray, desenhadores do Super-Homem tal como o português Miguel Mendonça.
Em termos de balanço antecipado, a directora do evento realça “o retorno positivo por parte do público e da comunidade bedéfila, com críticas construtivas e motivadoras” e destaca “a programação equilibrada, com uma oferta diversificada de conteúdos que abrangem todas as gerações de leitores”.
Em relação ao próximo ano, para lá da autoria do cartaz caber a Paulo J. Mendes, uma vez que o seu livro “Elviro” foi distinguido pelo festival como Melhor Obra de Autor Português, apenas é possível adiantar que o Amadora BD “continuará a apostar em conteúdos para todas as gerações, com o rigor, a diversidade e a criatividade que têm caracterizado as últimas edições”.
Para lá do festival, a oferta de banda desenhada continuará na Amadora, pois as exposições “Causa Provável”, de André Letria, e “Traço e a Têmpra”, de Marta Teives, ficarão patentes até 19 de Novembro na Galeria Municipal Artur Bial, e a grande mostra dos “75 Anos de Tex”, poderá ser visitada até 30 de Novembro, na Bedeteca da Amadora/Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos.


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F. Cleto e Pina

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Destruir o seu próprio universo

Um detective, uma secretária e uma velha sala de cinema
Política, imobiliário e racismo assombram relação dos protagonistas

Para um autor – ou vários, como geralmente acontece na banda desenhada – no âmbito de uma série, uma das coisas mais difíceis é construir um universo que, a um tempo, faça sentido, seja coerente e crie habituação no leitor para que, a cada novo regresso, saiba o que esperar.
Em “Reckless”, série policial e sociológica, ambientada na década de 1980, numa Los Angeles solarenga mas muito negra, criada pelo argumentista Ed Brubaker e o desenhador Sean Phillips, esse universo é até muito curto, cingindo-se a duas personagens, Ethan, um detective privado, e Anna, a sua ajudante e amiga, que usam como localização – e paixão – uma velha sala de cinema onde projectam filmes antigos.
Por isso, quando o terceiro livro, “Destruir todos os monstros”, recém-lançado pela G. Floy, abre com o cinema a ser pasto das chamas e os protagonistas em risco de vida e, de seguida, dando um salto temporal ao passado, Ethan refere que vai contar como o vínculo entre os dois, feito de cumplicidade e gostos comuns, se quebrou, a primeira sensação do leitor é que os autores o convidam a assistir à destruição do seu próprio universo. Sensação que se torna mais próxima e premente, quando o detective aproveita para narrar como se conheceram, numa estratégia de consolidação do universo que aparentemente choca com o rumo inicial de livro.
Como habitualmente conduzida pela narração em off de Ethan, a narrativa vai avançando com a separação em pano de fundo, enquanto decorre uma investigação sensível, que parece ter por base também questões raciais e envolve ambições políticas, investimentos imobiliários pouco claros, negócios à margem da lei e uma imensa teia de corrupção, chantagem e vícios à solta.
Brubaker, com a escrita assertiva que lhe é reconhecida, assente na cumplicidade de muitos anos e obras com Phllips e o seu traço duro realista, faz avançar pausadamente a trama, acentuando a fragilidade psicológica em que Ethan se encontra devido ao novo rumo que Anna decidiu imprimir à sua vida, o que cria uma dualidade que enriquece e humaniza a narrativa e os seus protagonistas e projecta como, por vezes, sem saber, nos tornamos tão dependentes de algo ou de alguém.

Reckless: Destruir todos os monstros
Ed Brubaker e Sean Phillips
G. Floy
144 p., 20,00 €


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F. Cleto e Pina

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Do quarto da Mônica à cozinha de Garfield, Amadora tem muita BD para mostrar

Festival termina este domingo, mas são muitos os autores presentes neste fim-de-semana

Termina este fim-de-semana o 34.º Amadora BD – Festival Internmacional de Banda Desenhada da Amadora, que está a decorrer no antigo Ski Skate Amadora Park (SSAP), que nos seus mais de 2000 m2 recebe o núcleo central do evento e a zona de gaming.
Centrada nos aniversários de alguns dos maiores heróis dos quadradinhos populares Super-Homem (85 anos), Tex (75), Mônica (60) e Garfield (45), o festival, como habitualmente, apresenta exposições cenicamente bem conseguidas, recriando alguns espaços icónicos daquelas bandas desenhadas como o quarto de dormir da Mônica, a cabine em que Clark Kent se transforma em Super-Homem ou a cozinha em que Garfield faz a vida negra ao seu dono Jon e se empanturra com tudo o que lhe surge ao alcance.
A par destes elementos, todas estas mostras incluem também originais dos autores que ao longo de décadas desenharam as personagens: Maurício de Sousa, que provocou enchentes no fim-de-semana passado, Jim Davis ou Bob McLeod, Mike Gray ou o português Miguel Mendonça, que têm colocado a sua arte ao serviço do maior super-herói do mundo e que estarão presentes para conversas e autógrafos.
Em termos de autores estrangeiros, o nome mais sonantes neste final de festival é o espanhol Miguelanxo Prado, mas por lá também será possível encontrar os brasileiros Vítor Cafaggi e Alcimar Frazão e a espanhola Mayte Alvarado, que irão apresentar novos livros, respectivamente “Turma da Mônica: Laços”, “Lovistori” e “A Ilha”.
Como habitualmente o festival também se faz em português com mostras dedicadas a Bernardo Majer, Filipe Andrade, Jorge Coelho ou Derradé, que revelam todo o potencial e qualidade da banda desenhada nacional.
Do programa cheio e diversificado deste fim-se-semana, realce, este sábado, para os lançamentos de “Bubas – Adicted to love”, de Derradé, a evocação de José Ruy (1930-2022) e a apresentação da Colecção Clássicos da Literatura em português em Banda Desenhada, e, domingo, para o lançamento de “A Fórmula da Felicidade – integral”, de Nuno Duarte e Osvaldo Medina.
Como habitualmente, para lá do seu núcleo central o festival desdobra-se por outros espaços da cidade da Amadora, onde as exposições estarão patentes durante mais tempo. Desta forma, a Bedeteca da Amadora/Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos expõe os “75 Anos de Tex” até 30 de Novembro, e a Galeria Municipal Artur Bial apresenta “Causa Provável”, de André Letria, e “Traço e a Têmpra”, de Marta Teives, duas exposições de originais que podem ser visitadas até 19 de Novembro.


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F. Cleto e Pina

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Fabcaro: “Quis escrever um Astérix que Goscinny e Uderzo pudessem apreciar”

40.º álbum de Astérix chega hoje às livrarias nacionais

Chega hoje às livrarias de meio mundo, “O Lírio Branco”, o 40.º álbum das aventuras de Astérix o gaulês.
Como habitualmente, a ASA acompanha a edição internacional do álbum, cuja tiragem, em 20 línguas e dialectos, atingirá os 5 milhões de exemplares.
A principal novidade deste álbum é a estreia do argumentista Fabcaro, que acompanha Didier Conrad, o desenhador de serviço nos últimos seis álbuns.
Como já tinha sido noticiado, em “O Lírio Branco”, a desordem que geralmente reina na aldeia gaulesa vai ser afectada pela chegada de um romano, Palavreadus, inventor da filosofia de pensamento positivo que dá título ao álbum e tem o condão de tornar pacatos e indiferentes todos os que a ouvem.
Para aprofundar um pouco a génese da nova aventura, o JN conversou em exclusivo com os autores.
Fabcaro, humorista francês de 50 anos, revelou que “mais do que um sonho, escrever Astérix foi algo de surrealista”. E adiantou que aprendeu “a ler com Astérix”, que essa foi a sua primeira BD e que “conhecia muito bem esse universo”, por isso, nem precisou “de reler os álbuns; tinha medo de ficar preso ao que já estava feito”. A solução foi “deixar a imaginação trabalhar”. E acrescenta: “Manter a fidelidade a Goscinny, foi uma obsessão, sentia pavor de trair a obra dele e de Uderzo, mas ao mesmo tempo queria trazer algo de novo, escrever um Astérix que eles pudessem apreciar”.
Nesta estreia, o trabalho conjunto com Conrad e o editor foi fundamental, “colocaram um certo travão ao absurdo e deram conselhos ao nível da estrutura, do ritmo e da planificação”. O desenhador corrobora: “Não houve muitas mudanças, tornaram-se os textos mais curtos, foram feitos pequenos ajustes para que o álbum possa ser lido por todos, Astérix é lido por várias gerações e tem de ser acessível a todos. É preciso muita atenção aos detalhes”. E vai mais longe: “Em Astérix, tens de ter sucesso; estás ao serviço de um universo que já existe, que todos conhecem desde a infância, com quem têm um grande laço afectivo, que faz parte da família”.
Os dois elegem “A Zaragata” como álbum preferido, mas em termos de personagens, enquanto o argumentista elege “Obélix, porque tudo o que é divertido pode passar por ele, é uma personagem de comédia extraordinário”, Conrad inclina-se para “Astérix e Panoramix… e Falbala, que nunca desenhei!”.
Em “O Lírio Branco” são identificáveis cenas que parecem extraídas de outros álbuns. Fabcaro assume que “quis seguir a estrutura dos meus álbuns preferidos, como “A Zaragata”, “O Adivinho” ou “Obélix & C.ª” em que alguém chega de fora e abala a estrutura da aldeia” mas também o fez para “homenagear os álbuns anteriores de Astérix. Usar a mesma base e fazer diferente, introduzir pequenas alterações, surpreender o leitor a cada passo, embora mantendo um contexto familiar, fazer rir, sem subverter os códigos, sem os trair, apenas em jeito de homenagem.” Conrad subscreve: “Em “O Grifo” não havia qualquer referência a álbuns mais antigos, foi bom neste revisitar tantas memórias”.
Palavreadus, o vilão de serviço, graficamente assemelha-se a Bernard-Henri Lévy e Dominique de Villepin e os seus aforismos foram inspirados no brasileiro Paulo Coelho. Fabcaro assume que “foi muito divertido escrevê-los, combinando referências políticas, filosóficas, citações de filmes…” Atendendo aos seus efeitos sobre gauleses e romanos, num tom mais sério vinca que “houve sempre uma parte da população mais frágil, mais manipulável. Nos nossos dias não foram as pessoas que mudaram, foi a facilidade de o fazer através das redes sociais”.
O desenhador confessa que nunca terá “ o controle completo deste universo; o estilo de Uderzo era muito pessoal e eu não sou Uderzo. o meu desenho não é uma cópia, é obrigatoriamente diferente, desenho como sinto. Manter uma certa linha gráfica, exige esforço, mas é isso que torna o desafio interessante”. E remata, com uma gargalhada: “desenhar árvores, folhas, pedras, não custa nada! O resto é que é difícil!”
Uma das novidades do novo livro é que “é uma história híbrida, metade na aldeia, metade fora, embora a viagem até Lutécia seja curta. Foi a forma de fugir um pouco à linha condutora de “O Adivinho” ou “A zaragata”. Alternar aventuras na aldeia com outras em cenários mais distantes, é uma tradição mas não uma regra.”
Se Jean-Yves Ferry, o argumentista dos cinco álbuns anteriores, decidiu parar para se dedicar a projectos pessoais, Conrad revela-se “muito satisfeito com Astérix. O tempo necessário para desenhar cada álbum é muito longo, muito exigente. Não há tempo para pensar em mais nada”.
Quanto a Fabcaro, sabe que foi “ contratado para escrever um álbum; se Ferry voltar, o lugar é dele”. Mas deixa escapar que “ficaria encantado se pudesse escrever outro”.

6 milhões de álbuns no nosso país
Portugal foi o primeiro país não francófono a descobrir Astérix. Aconteceu em 1961, no número inicial da revista “O Foguetão”, tendo o herói passado depois pelas páginas do “Zorro”, “Tintin” ou “Flecha 2000”, entre outras.
Em álbum, a Íbis abriu o baile em 1966 com “Astérix, o gaulês”, tendo as suas aventuras passado depois pelos catálogos da Livraria Bertrand, Verbo, Meribérica e ASA, onde ainda se encontra. Ao JN, esta editora revelou que “O Lírio Branco” terá uma tiragem de 45 mil exemplares, sensivelmente o mesmo que vendeu o título anterior, “Astérix e o Grifo”. No nosso país já foram vendidos mais de seis milhões de álbuns de Astérix, uma gota de água face as 393 milhões já vendidos em todo o mundo.

Homenagem bem-disposta à herança de Goscinny
A estreia de um novo argumentista, Fabcaro, fez aumentar as expectativas em relação ao novo álbum. A primeira constatação, é a subversão da regra implícita que ‘obriga’ a alternar uma aventura caseira com uma aventura exterior. “O Lírio Branco” arranca na aldeia gaulesa, mas a certa altura a acção desloca-se para Lutécia.
Outra característica da nova história, é que evoca, em jeito de homenagem, cenas de álbuns anteriores, da fase Goscinny. Lendo-o, é impossível não lembrar, por exemplo, a viagem para as termas para curar o chefe Matasétix, em “O Escudo de Arverne”, a corrida desenfreada pelos corredores da pirâmide em “Astérix e Cleópatra”, ou “A Zaragata” e o intriguista Tulius Detritus, embora onde aquele semeava a discórdia, no presente álbum Palavreadus prega a harmonia e a paz a todo o custo.
Médico-chefe dos exércitos romanos, o vilão de serviço pelo período deste álbum, defende o Lírio Branco, uma corrente de pensamento positivo, disparando aforismos bacocos a torto e a direito, como “Um problema deixa de o ser quando tem solução” ou “Todos os caminhos são bons, pois todos levam a algum lado”.
Assumidos geralmente como grandes princípios de vida – o que não abona muito a favor dos seus ouvintes, sejam eles romanos ou gauleses – são a crítica mais forte e mordaz aos dias de hoje num relato que também refere a praga das trotinetes (numa sequência pouco feliz), a necessidade de exploração dos recursos locais, a questão da igualdade de género (no banquete final), a nouvelle cuisine ou as modas que põem “metade a fazer exercício físico e a outra metade a comer sementes e peixe”.
Na primeira parte da história, principalmente, Fabcaro apresenta alguns trocadilhos bem conseguidos e uma série de provocações inteligentes às próprias referências imutáveis da série, que dispõem bem, mas a narrativa arrasta-se um pouco na segunda parte, quando se centra nos problemas de relacionamento do chefe e da esposa, Boapinta.
Graficamente, tal como já evidenciava o álbum anterior, Didier Conrad, sem ter provocado qualquer corte com a herança de Uderzo, já a converteu ao seu estilo próprio, dinâmico e expressivo e as diversas soluções que utiliza são eficazes em termos narrativos.
De leitura bem-disposta, mas sem igualar a herança de Goscinny, “O Lírio Branco”, tem o mérito de recordar alguns dos álbuns basilares da série e de nos transportar mais uma vez até à aldeia dos loucos, perdão “das pessoas diferentes de nós devido ao seu comportamento imprevisível”, como diz Palavreadus.

Astérix: O Lírio Branco
Fabcaro e Didier Conrad
ASA
48 p., 11,50€


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F. Cleto e Pina

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Os 5 melhores álbuns de Astérix

“O Lírio Branco” é o título do 40.º álbum de Astérix que chega amanhã às livrarias nacionais, em simultâneo com a edição internacional.
Quando o criaram para o primeiro número da revista “Pilote”, que foi para bancas e quiosques franceses a 29 de Outubro de 1959, à pressão, para substituir uma versão aos quadradinhos de “Le roman de Renard” que tinham imaginado, por já existir outra BD baseada na mesma obra, René Goscinny (1926-1977) e Albert Uderzo (1927-2020) estavam longe de imaginar o sucesso do pequeno guerreiro gaulês nascido para parodiar a essência dos franceses.
Se do primeiro álbum, “Astérix, o gaulês”, foram feitas apenas 6 mil cópias, “O Lírio Branco” conta com uma tiragem de cinco milhões de livros, em 20 línguas e dialectos, que se vêm juntar aos 393 milhões já vendidos em todo o mundo.
Para alcançar este sucesso, Astérix, Obélix e os restantes gauleses tiveram de percorrer muitos quilómetros na sua Gália natal e por vários continentes, distribuir generosamente tabefes pelos romanos (e não só), devorar centenas de javalis e participar nas memoráveis cenas de pancadaria na aldeia, quase tão míticas como os banquetes que encerram cada aventura.
Com 40 aventuras em 64 anos, torna-se difícil escolher as melhores. Embora seja pacífico que todos se encontram entre os 24 assinados pelos seus criadores originais, entre 1959 e 1977, o momento de leitura, a sensibilidade para com os temas abordados e a enorme qualidade de quase todos faz com que as opiniões se dividam.
Sem outra hierarquia do que a data de publicação original, aceitando que as visitas aos godos, aos helvécios, aos normandos ou aos corsos também podiam figurar nela, segue-se uma das listagens possíveis dos melhores 5 álbuns de Astérix.

Astérix Legionário
Goscinny e Uderzo
1967

Uma sátira impiedosa à instituição militar, do incorporamento à recruta, passando pela vida na caserna, em que Astérix e Obélix se juntam ao exército romano para salvarem o prometido da bela Falbala.

Astérix e Cleópatra
Goscinny e Uderzo
1965

Pelos cenários imponentes, o ritmo narrativo, um sentido de humor superlativo e o belo nariz da rainha Cleópatra, podendo não ser a “maior aventura que jamais foi desenhada” a viagem de Astérix ao Egipto é um dos mais conseguidos álbuns das aventuras do pequeno guerreiro gaulês.

A Zaragata
Goscinny e Uderzo
1970

A chegada à aldeia do intriguista Tulius Detritus, deixa à solta a praga verde da discórdia, pondo em causa a unidade e a invencibilidade dos gauleses, até Astérix lhe responder na mesma moeda, com a célebre “guerra psicológica”.

O Adivinho
Goscinny e Uderzo
1972

A crendice, a religiosidade e a superstição abordadas com olhar crítico e imenso humor, quando um adivinho se instala perto da aldeia gaulesa e explora os seus habitantes para levar uma vida regalada.

Obélix e Companhia
Goscinny e Uderzo
1976

Um mergulho sarcástico nas especificidades do mundo dos negócios e da economia global, em que Obélix se transforma num magnata dos menires e no homem mais importante da aldeia.


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F. Cleto e Pina

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À imagem dos super-heróis de papel

Sátira e homenagem às personagens dos quadradinhos
O Corvo, criação de Luís Louro, surgiu há quase 30 anos e é um dos poucos heróis recorrentes da BD nacional

Há quase 30 anos, em 1994, para ser exacto, a banda desenhada portuguesa assistia ao nascimento do Corvo na colecção “Estórias de Lisboa”. Prevista como história única, tinha como protagonista um adolescente lisboeta órfão, seduzido pela utopia do mundo dos super-heróis de que se alimentava nas revistas de quadradinhos, apostado assim em esquecer o mundo real, assustador e triste em que vivia. Com passeios arriscados pelos telhados de Lisboa, com o seu companheiro Robim – uma bicicleta… – dando largas ao seu ódio a pombos e gaivotas, tentava desta forma emular a acção daqueles que admirava, numa narrativa em tom descontraído mas desencantado, entre o drama e a ternura, que fazia do Corvo, alter-ego do jovem Vicente, mais um herói de pacotilha do que um verdadeiro super-herói.
Mas a verdade é que ele agradou aos leitores que foram pedindo novas histórias e assim, três décadas depois, são já 6 os tomos em que Luís Louro foi explanando as desventuras do pretenso super-herói, o mais recente dos quais “O Silêncio dos Indecentes”, teve edição da Ala dos Livros. Progressivamente, construiu-lhe um universo próprio, com personagens recorrentes, deu-lhe um passado que se reflecte no seu presente, dotou-o de formas específicas de estar e de agir e fez dele um dos raros heróis com continuidade na banda desenhada nacional.
O que significa que, a cada novo álbum, com a habitual planificação arrojada e o desenho anguloso e dinâmico, encontraremos uma personagem bem definida, embora perdida dentro de si mesmo, dos seu sonhos e obsessões, aqui e ali uma alusão brejeira, e soluções inesperadas para situações bem típicas do quotidiano dos super-heróis de verdade, os de papel.
E enquanto narra as aventuras e os desvarios de Vicente e/ou do Corvo, Louro vai-nos mostrando uma Lisboa que se por um lado é típica e tradicional, por outro é também subterrânea, esconsa e sombria, habitada por vilões que têm mais de imbecis e frustrados do que de malvados. A par deste retrato urbano, aproveita igualmente para deixar algumas provocações sobre temas actuais fracturantes e sensíveis, contrapondo a esse tom mais reflexivo piscadelas de olho bem-dispostas aos mundos dos quadradinhos, os dos álbuns e revistas e o da BD portuguesa.

O Corvo VI – O silêncio dos indecentes
Luís Louro
Ala dos Livros
64 p., 17,75€


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F. Cleto e Pina

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Heróis de papel apagam as velas no Amadora BD

Festival celebra aniversários de Super-Homem, Tex, Mônica e Garfield

É já esta quinta-feira, 19 de Outubro, que o 34.º Amadora Bd – Festival Internmacional de Banda Desenhada da Amadora abre as suas portas no antigo Ski Skate Amadora Park (SSAP), que nos seus mais de 2000 m2 recebe o núcleo central do evento e a zona de gaming.
O tema de base da edição deste ano, que se prolonga até dia 29, é “Clássicos Intemporais”, por isso o festival vai aproveitar para comemorar os aniversários de alguns heróis de papel: Super-Homem (85 anos), Tex (75), Mônica (60) e Garfield (45), com exposições alusivas e, nalguns casos, a presença de criadores que fizeram parte da sua existência. É o caso de Bob McLeod, Mike Gray e Miguel Mendonça, desenhadores do super-herói presentes dias 28 e 29; Marco Ghion, que ilustra o ranger, e Maurício de Sousa, o grande nome da edição deste ano, estarão presentes dias 20 e 21, em que também será possível tentar obter autógrafos de Émile Bravo (“Spirou: A esperança nunca morre…”) ou Cloe Cruchaudet (“Mau género”). Para o segundo fim-de-semana estão também anunciados Miguelanxo Prado, Alcimar Frazão, Mayté Alvarado e Vitor Cafaggi.
Os autores portugueses, no entanto, continuam a ser o prato forte do festival, com lançamentos, sessões de autógrafos muito concorridas e exposições. Neste último caso, o SSAP acolhe mostras de Bernardo Majer, vencedor do troféu para Melhor Obra portuguesa de 2022, com “Estes dias” e criador do cartaz desta edição, Filipe Andrade, José Smith Vargas, Jorge Coelho e Derradé. Para além destes, será possível contactar no festival com Rita Alfaiate, Paulo J. Mendes, André Caetano, Luís Louro, Miguel Jorge ou Joana Mosi, entre muitos outros.
Num espaço multifacetado, que acolhe igualmente a zona comercial, o local de autógrafos e o auditório, estarão também patentes as exposições “Agatha Christie em BD”, “Miguelanxo Prado – Uma retrospectiva” e “This is not America | Letreiros Comerciais – Século XX”.
Como habitualmente, o festival estende-se a outros espaços da cidade. Na Galeria Municipal Artur Bual é possível admirar originais de Marta Teives e André Letria, até 19 de Novembro. Já a Bedeteca da Amadora – Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos acolhe até final de Novembro “75 anos de Tex”.
Entre os muitos lançamentos previstos destacam-se “O Grande Gatsby”, de Jorge Coelho e Ted William, “O Corvo 6 – O silêncio dos Indecentes”, de Luís Louro, “A Fórmula da Felicidade – Edição integral”, de Nuno Duarte e Osvaldo Medina ou “Neon”, de Rita Alfaiate, entre muitos outros.
Dia 22, pelas 18 horas, serão anunciados os vencedores dos Prémios de Banda Desenhada da Amadora, numa cerimónia a realizar no Núcleo Central do Festival.


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F. Cleto e Pina

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Clube Comicarte #38

Tema

Banda Desenhada

Entidade

Comissão de Jovens de Ramalde

Editor

Comicarte

Colaboradores

Paulo Amorim, Pedro Cleto, Nuno Correia, João Lameiras, João Santos

Local e Data

Porto, Outubro de 1992

País

Portugal

Idioma

Português

Descrição

140x297mm, 6 páginas, desdobrável tríptico, preto e branco, offset

Código Bedeteca

N/A

Cota Bedeteca

N/A

Origem

Colecção José Rui

Ver Também

Comicarte

Direitos de Autor

A Bedeteca é um projecto sem fins lucrativos com o objectivo de recolher, organizar, conservar, estudar, divulgar ou simplesmente desfrutar a banda desenhada. Segundo a Copyright Alliance ↗, a utilização justa de materiais abrangidos por copyright inclui crítica, comentário, notícias, educação, bolsas de estudo ou investigação.
Apesar disso, se algum editor, autor, criador, se sentir lesado ou apenas não desejar que os seus materiais façam parte deste projecto, agradecemos que nos contactem.

Colaboradores

Pedro Cleto, Nuno A. N. Correia, José Carlos Fernandes, Susana Paiva, José Rui

Pelo direito ao cabelo ao vento

Obra colectiva assinala um ano do assassinato de Mahsa Amini
Edição ganha actualidade reforçada graças à atribuição do Nobel da Paz à activista iraniana Narges Mhoammadi

Acabado de editar em Portugal pela Iguana, acompanhando o lançamento a nível internacional, um ano após a morte da iraniana Mahsa Amini, espancada pela polícia local por não estar a utilizar correctamente o véu, “Mulher Vida Liberdade” ganha uma nova actualidade devido à recente atribuição do Prémio Nobel da Paz à activista iraniana de direitos humanos Narges Mhoammadi.
Traçado por escritores e artistas iranianos e ocidentais, exibe um retrato multifacetado de uma realidade que, histórica e socialmente, é bem mais complexa do que uma análise ligeira pode fazer entender. Por isso, este livro pede mais do que uma leitura superficial, sendo até aconselhável voltar aleatoriamente a cada um dos relatos para conseguir apreender tudo aquilo que expõem sobre a situação política no Irão e as consequências das imposições do regime para os que lutam por mais liberdades, em geral, e para as mulheres em particular. Porque – e “Mulher Vida Liberdade” também o vinca – a morte de Mahsa Amini desencadeou protestos generalizados independentemente do género.
Marjane Satrapi, autora de “Persepolis” ou “Bordados”, obras poderosas sobre a situação no Irão, coordenou o projecto e assinou a capa deste livro em os textos, da autoria de um politólogo, um jornalista e um historiador, foram ilustrados ou transformados em BD por desenhadores menos conhecidos no Ocidente mas também por nomes consagrados como Catel, Pascal Rabaté, Paco Roca, Lewis Trondheim ou Joann Sfar.
Viveiro pleno de contrastes para leitores como nós, para quem é normal dizer o que pensamos, manifestarmo-nos, discordarmos ou exigirmos mudanças, esta obra revela como qualquer destas atitudes banais aos nossos olhos, no Irão facilmente se transformam numa questão de vida ou de morte. Vida se conseguires escapar, morte se te deixares apanhar.
São relatos emocionais, chocantes em muitos aspectos pela violência pura e subliminar envolvidas, sobre uma realidade que parece impossível na terceira década do século XXI, mas que mostra como o nosso mundo ainda está pleno de contrastes.
E se a par do forte tom de reportagem e documental, existe apesar de tudo uma mensagem de esperança num futuro inevitavelmente melhor, a verdade é que a História faz com que também perpasse o medo de que esse porvir ainda esteja distante.

Mulher Vida Liberdade
Vários autores
Coordenação de Marjane Satrapi
Iguana
288 p., 27,75€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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